Somos simbióticos na falta de respeito uns pelos outros.
É o defeito intimo de nos acharmos mais hábeis que o próximo. Ou de compensar as chatices com a hierarquia social.
Muitas vezes trata-se somente de uma catarse infantil, uma forma de nos vingarmos das pequenas frustrações do quotidiano, outras, apenas pura indolência.
Por exemplo, fazemos do automóvel uma extensão nossa e um volante nas mãos é o suficiente para irmos de Dr. Jekyll ao Mr. Hyde.
Fazemos das estradas uma pista de corridas onde os outros são obstáculos ou concorrentes. Tudo ao volante nos parece um desafio e ninguém se escusa a uma competição. Por isso morremos e matamos tanto nas estradas.
A nossa falta de educação às vezes tem o pudor da preguiça, por exemplo quando deixamos o automóvel mal estacionado. Ligar os quatro piscas é uma espécie de desculpa esfarrapada porque a paragem promete ser breve.
Esquecemos sempre que os peões precisam dos passeios, que os autocarros precisam dos locais de paragem para receber passageiros e não congestionar o trânsito ou que, para cumprir as regras há quem pague por ter um lugar ou deixe o carro muito longe do seu destino.
Bloqueamos o trânsito para trocar dois dedos de conversa com algum amigo que passa na rua, paramos em frente a portões e portas sem pensar nas dificuldades que causamos a terceiros para entrar ou sair da sua própria casa.
Sem o carro nas mãos não somos melhores.
Arranjamos mil e um estratagemas para passar à frente nas filas porque a nossa urgência é sempre superior à dos outros.
Deixamos o lixo junto aos contentores e não dentro porque é uma chatice abrir e fechar a tampa. Fazemos das ruas os wc’s dos nossos cães.
Cuspimos e jogamos toda a espécie de lixo para o chão.
Mascarramos as cidades com cartazes publicitários de gosto duvidoso e do péssimo gosto das campanhas eleitorais permanentes.
Passamos a vida a falar em participação. Mas tomar a iniciativa é que não.
Reclamamos mas não somos autocríticos. Achamos que todos nos devem, a nós, modelos de virtude.
Quando apanhados em falso protestamos porque não somos os únicos. A bíblica desculpa do que nunca errou que atire a primeira pedra.
Falta-nos cultura de exigência.
Não daquela que faz de nós juízes dos outros. Essa é a cultura da inveja e sobra-nos.
Uma cultura de exigência defende que se cumpram as regras para que possamos conviver civilizadamente uns com os outros. E acaba definitivamente com a ideia errada de que a vida em democracia tem mais direitos que deveres.
Todos nós de uma forma ou de outra já fomos incumpridores. Não é isso que importa.
Importa é mudar de atitude.
Nota: Crónica gravada para a Rádio Diana